Médico brasileiro com muito orgulho
Está acontecendo com a saúde o que já aconteceu com a educação: quantidade sem qualidade
“Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor.” Gritos na rua, protesto, indignação, esforço para melhorar, suor, garra, abnegação, etc. As pessoas estão nas ruas e o governo brasileiro não sabe o porquê. Mas afirma que a democracia é elogiável e que os 20 milhões de pessoas que ele, governo, proporcionou riqueza, agora sentem-se no direito de reivindicar condições melhores. Claro que esta afirmação não saiu de nenhuma reunião séria visando melhorar condições do povo brasileiro, mas muito provavelmente da cabeça de algum “marqueteiro de plantão” a serviço do governo. A análise superficial e marqueteira das manifestações se assemelha a que se faz do sistema de saúde brasileiro.
A culpa é o médico que não quer ir ao plantão, não quer ir para Roraima ou a qualquer outro lugar longínquo. Vocês sabem como funciona a contratação e a manutenção do emprego do médico nestes lugares? São prefeitos que oferecem a assistência médica como moeda de troca de eleições, ou seja, oferece-se como prêmio pelo voto o que já é direito da população. Assim, o médico contratado tem algumas “obrigações” que não são médicas, tampouco técnicas. Não há carreira, não há respeito.
Por que há juízes e promotores em lugares distantes no Brasil? Porque têm carreiras, são menos expostos aos absurdos das reivindicações daqueles que os contrataram. Lembrem-se que um candidato presidenciável e depois de fato eleito, afirmou em campanha que médico não é problema, é igual sal, “branquinho e você encontra em cada esquina”. O conceito de saúde é muito mais amplo do que assistência médica. É preciso ter competência administrativa, seriedade, cessar a corrupção para levar a saúde ao povo. Os médicos são cidadãos como quaisquer outros, trabalham em condições difíceis, aparelhos inadequados, vagas zero, interferências de políticos que barganham o seu trabalho.
Os recursos que saem do governo federal não chegam ao usuário. Muito se perde nesse caminho e, ao final, significa baixo salário para quem trabalha no sistema de saúde, remédios e aparelhos com qualidades inadequados. Então, como melhorar o que é de direito da população? Esse governo escolheu importar médicos. Resolveu tratar a febre e não a infecção. Importar de onde? De Cuba? No Brasil já temos número acima do recomendado de médicos e faculdades de Medicina. Quem conhece as faculdades de Medicina sabe das dificuldades para a formação de médicos, do esforço, do custo que as famílias têm que investir para a formação de seus filhos. Um país pobre como Cuba certamente tem muita dificuldade para formar médicos de qualidade técnica boa.
O governo dispensou a prova de suficiência técnica para os médicos estrangeiros que vierem ao Brasil. Com isso, demonstra que não está preocupado com a qualidade técnica da assistência médica, assim como não está preocupado com os médicos brasileiros, não oferece um plano de carreira, não diminui os desvios de dinheiro da saúde, não se preocupa com a população. Está acontecendo com a saúde o que já aconteceu com a educação: quantidade sem qualidade.
Pronunciar-se em rede nacional em resposta a um movimento legítimo dos brasileiros, afirmando que vai importar médicos para resolver problema de saúde, é um desrespeito à população, uma atitude vergonhosa para os médicos brasileiros, desrespeitosa para a saúde brasileira. O salário de um docente médico da Universidade Estadual de Londrina (UEL) gira em torno de R$ 1 mil por 20 horas semanais. Simboliza perfeitamente o valor que o Estado dá aos nossos médicos, que tratam a saúde em um hospital referência em nossa região.
Sou médico brasileiro com muito orgulho, não posso aceitar a afronta de ser considerado culpado pela incompetência de um governo que não sabe resolver problemas estruturais. Não podemos aceitar a importação de médicos para continuar o aviltamento aos nossos e a nossa população para que os políticos continuem barganhando o que já é de nosso direito: a saúde.
Ricardo José Rodrigues
Cardiologista | Centro do Coração de Londrina
Texto publicado no Espaço Aberto, do jornal Folha de Londrina
em 30/06/2013